sexta-feira, 31 de maio de 2013

Jornalismo Literário - "39 semanas de humanização da medicina"

“Queria parar tudo ali, descansar, e só depois continuar, mas as contrações não davam trégua, lembro que chorei que nem criança várias vezes, pedia pra tirar ela de mim. Não sei em que momento exatamente, eu estava surtada e a Gi me perguntou ‘Você quer uma cesárea? ’ Eu balancei a cabeça dizendo que não, apavorada.”
Muita dor, tempo longo de espera, falta de estrutura do hospital, medos e inseguranças, ansiedade para ver pela primeira vez a filha. Com “39 semanas e um dia não estava sentindo nada de diferente. Fui à manicure, passei roupa, planejei ir ao centro da cidade no dia seguinte comprar algumas coisas que faltavam. Por volta das 21hrs deitei para ver TV e comecei a sentir as contrações mais ritmadas”. Tudo se misturava na cabeça de Patrícia Lopes - mais conhecida como Pathy entre as amigas - durante as longas horas de TP (o trabalho de parto) e ela esclarece que é difícil lembrar-se de muitos detalhes.
Diante de uma gravidez inesperada Pathy se viu diante da necessidade de escolher qual seria a melhor forma de trazer a filha ao mundo. Hoje existem muitos métodos diferentes de fazer um parto: com anestesia, sem anestesia, cirúrgicos, normal, natural, na água, na cama, em casa e no hospital - uma mistura de técnicas do tempo da vovó com métodos desenvolvidos pela medicina moderna. Mas logo o parto humanizado surgiu às vistas da jovem mãe.
Aos 20 anos foi com essa novidade não planejada que a estudante de jornalismo se deparou e a gravidez de uma amiga, já mais avançada que a sua, trouxe a ideia que despertou interesse de alguns e descrença de outros. “Tudo da Laura foram eles (os avós maternos) que compraram e a mãe do Gustavo é pedagoga e ela estava sempre aberta para o novo. [...] Minha mãe achou que eu era louca e que só ia fazer isso porque minha amiga fez e estava na moda. “Você não vai aguentar”, ela me disse.”
- Eu comecei a pesquisar sobre partos quando fiquei sabendo que estava grávida - já com 5 semanas - e fiquei sabendo que  minha amiga ia fazer o parto humanizado.
 A pequena Maria Valentina nasceu em novembro, já na metade da gestação da Laura, e foi acompanhada pelo suporte afetivo, físico e emocional de uma doula (que vem do grego “mulher que serve”). Logo ela passou a auxiliar também Patrícia.
- A Gi - Gisele Leal - me indicou artigos sobre o porquê de fazer o parto humanizado.
Sem saber nada do que seria essa experiência, ela começou a inserir-se em uma discussão sem fim sobre os reais benefícios de um parto considerado “do tempo das cavernas” por alguns críticos. Chamado de antifeminista em blogs e programas de TV que relatam a experiência do parto humanizado de grandes celebridades como a top Gisele Bündchen, esse tipo de iniciativa ainda causa controvérsias. E foi aí que entrou a outra Gisele (dessa vez a doula). Foi ela que colaborou com a futura mamãe para entender melhor os objetivos desse caminho tão fora do comum.
- Ela foi mais minha amiga, é uma relação de amiga - dessa forma singela Pathy descreve Gi, a doula que a acompanhou durante toda a gestação - Eu contratei duas visitas (de 37 e 38 semanas) e uma visita antes do parto.
Algumas Ongs e sites de apoio à maternidade, através do parto humanizado, são facilmente encontrados com um simples click em sites de busca da internet. Teses de médicos obstetras, pediatras, sociólogos e antropólogos se misturam a blogs que relatam em texto e vídeo o ato de parir com a menor intervenção médica e o maior contato mãe e filho possível.
Com um desejo de tornar essa prática algo acessível aos casais, como parte dos objetivos da humanização do parto, os textos esclarecem para os benefícios dessa prática e apelam por medidas do poder público.
Durante nossa conversa pela internet, Patrícia vai fazendo os cálculos da gestação. “Cada consulta foi 200,00 reais, o quarto foi cerca de 5.000,00 e a equipe médica mais outros 5.000,00. A doula, com o pacote que escolhi, foi 790,00 reais”. Tudo somado e teremos uma conta de mais de R$ 10.000,00. Nada compatível com o poder aquisitivo de grande parte da população brasileira que depende do SUS, mas não tem amplo acesso ao serviço de forma gratuita.
Com o início das pesquisas para a produção desta reportagem fui muito questionada por mulheres e bombardeada com acusações de estar exaltando um modelo de parto que não era acessível, doloroso, antifeminista e que qualificava as mães que não seguiam por esse caminho como “sem coração” e menos apaixonadas por seus filhos.
Como mulher, fiquei muito preocupada e por isso, além de buscar uma mãe que contasse sua experiência de vida, também resolvi buscar conteúdo sobre as revoluções feministas e suas fases na história, além de me ocupar mais em mostrar uma vivência que pode trazer grandes benefícios à saúde da mãe e do bebê, quando feita da forma mais adequada a cada caso.
Alguns sociólogos discutem como a mulher adquiriu, ao longo dos séculos, um poder da escolha sobre a forma de lidar com o próprio corpo. Essa liberdade, aliada ao poder aquisitivo diferenciado, tornou possível para Patrícia e outras centenas de mães atendidas pela médica obstetra Mariana Simões a realização do parto humanizado, que ainda não tem em Campinas um hospital com quarto adequado ou atendimento pelo SUS. “Eu precisaria ir para São Paulo (capital) para ser atendida em uma Casa de Parto”, explicou Patrícia.
- Com 26 semanas eu fui na Mariana – Obstetra - Eu senti um impacto muito grande com a diferença na consulta. Nas consultas de acompanhamento pelo SUS não tem acolhimento. No SUS eles te pesam, medem. É o físico. Diferente dos médicos humanizados que olham também o psicológico, os “casais grávidos”. Teve uma consulta em que foi minha mãe, o Gustavo e trabalhamos bastante o preparo de todos pra chegada da Laura. Eu estava com 37 semanas.
Ao chegar à Maternidade de Campinas, após horas de TP, com 39 semanas de gestação completas, veio o choque.
- A Maternidade é totalmente despreparada pra esse tipo de parto. Trocamos de quarto três vezes [...] até que no segundo quarto estávamos já bem adiantados e fomos para o Centro Obstétrico. Precisei ficar de quatro pra diminuir o edema de colo para que a Laura nascesse e só depois consegui uma banheira - emprestada por outra Doula, que acompanhava o parto humanizado de outra gestante -. Isso prejudicou um pouco o trabalho de parto. No primeiro quarto não tinha chuveiro e a água quente ajuda a aliviar dor. Os quartos lá eram muito quentes ou muito frios. Minha doula fala que na hora que entrei na banheira eu era outra pessoa, fiquei totalmente relaxada e me entreguei de verdade.
O ambiente no qual a mãe convive é de grande influência no desenvolvimento da gestação humanizada e para manter a tranquilidade vale tudo: chuveiro com bola, massagem na lombar, música e alimentação normal até a hora do parto. Na 38ª semana de gestação as doulas de Patrícia – “a Gi trabalha em parceria com outra doula a Gleise” – realizaram a chamada “despedida da barriga”.
- Elas fazem massagens, preparam pro desapego, usam velas e músicas, conversas sobre os medos. Tudo na minha casa. Eu não seria mais a grávida e sim a mãe.
Com a entrevista já se encaminhando para uma espécie de conversa entre amigas, Laura resolve chamar a atenção da mãe.
- Ela é um bebê muito calmo, quase não chora, mas está passando por um pico de desenvolvimento. Teve o pico das 04, 08 e agora das 12 semanas.  Ela fica fazendo manha. Quer peito e o meu colo todo o tempo - É assim que Pathy se explica, já com a pequena Laura no colo, enquanto nos falamos pelo telefone. Em pouco mais de 30 minutos de conversa é a segunda vez que a filha lhe pede atenção.
- Só um instante, já volto - foi assim que soube que a Laura chamava na primeira vez. Na segunda tentativa de obter a atenção da mãe, nem foi preciso Patrícia me avisar que sairia do telefone. Já ouvia os resmungos de bebê. E assim recomeça uma conversa de mãe coruja e jornalista - tia há quase duas semanas - sobre amamentação, vacinas e outros cuidados que uma criança exige. No bate-papo pelo Facebook não é diferente: online e offline mesclam-se em um piscar de cores.  Verde e cinza alternam-se no perfil da jovem mãe universitária.
O medo da dor não era uma preocupação da jovem mãe até o momento em que entrou em trabalho de parto.
- Eu falava que estava tão preparada que nem ia sentir dor... Mas é uma dor indescritível. Na hora você só pensa que quer acabar com a dor. Você tem a contração, e nesse momento sai de órbita, mas é 30 segundos e passou.
A todo o momento Patrícia faz questão de falar de como a dor é suportável. Afinal, como ela mesma diz, não quer assustar outras mães que pensam em adotar o parto humanizado. “A dor faz parte do processo e mesmo sabendo de tudo isso, cheguei em um momento que achei que não fosse capaz. Mas eu consegui e tenho certeza que todas as mulheres são capazes, não deixem tirar de vocês o direito de dar a luz, não há coisa mais linda no mundo” - relatou no blog pessoal.
Após um TP de cerca de 16h, iniciado às 23h do dia 02 de março, a pequena Laura veio ao mundo com pouco mais de 2,8kg e provocando uma pequena laceração em Patrícia, que levou três pontos para suturar o ferimento, enquanto a filha já saboreava a primeira mamada.

Em seu blog Patrícia relata: “Pari minha filha as 14:54, não chorou, veio direto pro meu colo, com o olhão aberto, observando tudo, ficamos nos namorando por longos minutos, o cordão era tão pequeno que ela mal chegava até meu peito. Eternizei aquele momento na memória, eu, Laura e o pai, não se falava nada, mas se dizia muito naquele silêncio.”