“Queria parar tudo ali,
descansar, e só depois continuar, mas as contrações não davam trégua, lembro
que chorei que nem criança várias vezes, pedia pra tirar ela de mim. Não sei em
que momento exatamente, eu estava surtada e a Gi me perguntou ‘Você quer uma
cesárea? ’ Eu balancei a cabeça dizendo que não, apavorada.”
Muita dor, tempo longo
de espera, falta de estrutura do hospital, medos e inseguranças, ansiedade para
ver pela primeira vez a filha. Com “39 semanas e um dia não estava sentindo
nada de diferente. Fui à manicure, passei roupa, planejei ir ao centro da
cidade no dia seguinte comprar algumas coisas que faltavam. Por volta das 21hrs
deitei para ver TV e comecei a sentir as contrações mais ritmadas”. Tudo se
misturava na cabeça de Patrícia Lopes - mais conhecida como Pathy entre as
amigas - durante as longas horas de TP (o trabalho de parto) e ela esclarece
que é difícil lembrar-se de muitos detalhes.
Diante de uma gravidez
inesperada Pathy se viu diante da necessidade de escolher qual seria a melhor
forma de trazer a filha ao mundo. Hoje existem muitos métodos diferentes de fazer
um parto: com anestesia, sem anestesia, cirúrgicos, normal, natural, na água,
na cama, em casa e no hospital - uma mistura de técnicas do tempo da vovó com
métodos desenvolvidos pela medicina moderna. Mas logo o parto humanizado surgiu
às vistas da jovem mãe.
Aos 20 anos foi com
essa novidade não planejada que a estudante de jornalismo se deparou e a
gravidez de uma amiga, já mais avançada que a sua, trouxe a ideia que despertou
interesse de alguns e descrença de outros. “Tudo da Laura foram eles (os avós
maternos) que compraram e a mãe do Gustavo é pedagoga e ela estava sempre
aberta para o novo. [...] Minha mãe achou que eu era louca e que só ia fazer
isso porque minha amiga fez e estava na moda. “Você não vai aguentar”, ela me
disse.”
- Eu comecei a pesquisar
sobre partos quando fiquei sabendo que estava grávida - já com 5 semanas - e
fiquei sabendo que minha amiga ia fazer
o parto humanizado.
A pequena Maria Valentina nasceu em novembro,
já na metade da gestação da Laura, e foi acompanhada pelo suporte afetivo,
físico e emocional de uma doula (que vem do grego “mulher que serve”). Logo ela
passou a auxiliar também Patrícia.
- A Gi - Gisele Leal -
me indicou artigos sobre o porquê de fazer o parto humanizado.
Sem saber nada do que seria
essa experiência, ela começou a inserir-se em uma discussão sem fim sobre os
reais benefícios de um parto considerado “do tempo das cavernas” por alguns
críticos. Chamado de antifeminista em blogs e programas de TV que relatam a
experiência do parto humanizado de grandes celebridades como a top Gisele
Bündchen, esse tipo de iniciativa ainda causa controvérsias. E foi aí que
entrou a outra Gisele (dessa vez a doula). Foi ela que colaborou com a futura
mamãe para entender melhor os objetivos desse caminho tão fora do comum.
- Ela foi mais minha
amiga, é uma relação de amiga - dessa forma singela Pathy descreve Gi, a doula
que a acompanhou durante toda a gestação - Eu contratei duas visitas (de 37 e
38 semanas) e uma visita antes do parto.
Algumas Ongs e sites de
apoio à maternidade, através do parto humanizado, são facilmente encontrados
com um simples click em sites de busca da internet. Teses de médicos obstetras,
pediatras, sociólogos e antropólogos se misturam a blogs que relatam em texto e
vídeo o ato de parir com a menor intervenção médica e o maior contato mãe e
filho possível.
Com um desejo de tornar
essa prática algo acessível aos casais, como parte dos objetivos da humanização
do parto, os textos esclarecem para os benefícios dessa prática e apelam por
medidas do poder público.
Durante nossa conversa
pela internet, Patrícia vai fazendo os cálculos da gestação. “Cada consulta foi
200,00 reais, o quarto foi cerca de 5.000,00 e a equipe médica mais outros
5.000,00. A doula, com o pacote que escolhi, foi 790,00 reais”. Tudo somado e
teremos uma conta de mais de R$ 10.000,00. Nada compatível com o poder
aquisitivo de grande parte da população brasileira que depende do SUS, mas não tem
amplo acesso ao serviço de forma gratuita.
Com o início das
pesquisas para a produção desta reportagem fui muito questionada por mulheres e
bombardeada com acusações de estar exaltando um modelo de parto que não era
acessível, doloroso, antifeminista e que qualificava as mães que não seguiam
por esse caminho como “sem coração” e menos apaixonadas por seus filhos.
Como mulher, fiquei
muito preocupada e por isso, além de buscar uma mãe que contasse sua
experiência de vida, também resolvi buscar conteúdo sobre as revoluções
feministas e suas fases na história, além de me ocupar mais em mostrar uma
vivência que pode trazer grandes benefícios à saúde da mãe e do bebê, quando
feita da forma mais adequada a cada caso.
Alguns sociólogos
discutem como a mulher adquiriu, ao longo dos séculos, um poder da escolha
sobre a forma de lidar com o próprio corpo. Essa liberdade, aliada ao poder
aquisitivo diferenciado, tornou possível para Patrícia e outras centenas de
mães atendidas pela médica obstetra Mariana Simões a realização do parto
humanizado, que ainda não tem em Campinas um hospital com quarto adequado ou
atendimento pelo SUS. “Eu precisaria ir para São Paulo (capital) para ser
atendida em uma Casa de Parto”, explicou Patrícia.
- Com 26 semanas eu fui
na Mariana – Obstetra - Eu senti um impacto muito grande com a diferença na
consulta. Nas consultas de acompanhamento pelo SUS não tem acolhimento. No SUS
eles te pesam, medem. É o físico. Diferente dos médicos humanizados que olham
também o psicológico, os “casais grávidos”. Teve uma consulta em que foi minha
mãe, o Gustavo e trabalhamos bastante o preparo de todos pra chegada da Laura. Eu
estava com 37 semanas.
Ao chegar à Maternidade
de Campinas, após horas de TP, com 39 semanas de gestação completas, veio o
choque.
- A Maternidade é totalmente
despreparada pra esse tipo de parto. Trocamos de quarto três vezes [...] até
que no segundo quarto estávamos já bem adiantados e fomos para o Centro
Obstétrico. Precisei ficar de quatro pra diminuir o edema de colo para que a
Laura nascesse e só depois consegui uma banheira - emprestada por outra Doula,
que acompanhava o parto humanizado de outra gestante -. Isso prejudicou um
pouco o trabalho de parto. No primeiro quarto não tinha chuveiro e a água
quente ajuda a aliviar dor. Os quartos lá eram muito quentes ou muito frios. Minha
doula fala que na hora que entrei na banheira eu era outra pessoa, fiquei
totalmente relaxada e me entreguei de verdade.
O ambiente no qual a
mãe convive é de grande influência no desenvolvimento da gestação humanizada e para
manter a tranquilidade vale tudo: chuveiro com bola, massagem na lombar, música
e alimentação normal até a hora do parto. Na 38ª semana
de gestação as doulas de Patrícia – “a Gi trabalha em parceria com outra doula
a Gleise” – realizaram a chamada “despedida da barriga”.
- Elas fazem massagens,
preparam pro desapego, usam velas e músicas, conversas sobre os medos. Tudo na
minha casa. Eu não seria mais a grávida e sim a mãe.
Com a entrevista já se
encaminhando para uma espécie de conversa entre amigas, Laura resolve chamar a
atenção da mãe.
- Ela é um bebê muito
calmo, quase não chora, mas está passando por um pico de desenvolvimento. Teve
o pico das 04, 08 e agora das 12 semanas.
Ela fica fazendo manha. Quer peito e o meu colo todo o tempo - É assim
que Pathy se explica, já com a pequena Laura no colo, enquanto nos falamos pelo
telefone. Em pouco mais de 30 minutos de conversa é a segunda vez que a filha
lhe pede atenção.
- Só um instante, já
volto - foi assim que soube que a Laura chamava na primeira vez. Na segunda
tentativa de obter a atenção da mãe, nem foi preciso Patrícia me avisar que sairia
do telefone. Já ouvia os resmungos de bebê. E assim recomeça uma conversa de
mãe coruja e jornalista - tia há quase duas semanas - sobre amamentação,
vacinas e outros cuidados que uma criança exige. No bate-papo pelo Facebook não
é diferente: online e offline mesclam-se em um piscar de cores. Verde e cinza alternam-se no perfil da jovem
mãe universitária.
O medo da dor não era
uma preocupação da jovem mãe até o momento em que entrou em trabalho de parto.
- Eu falava que estava
tão preparada que nem ia sentir dor... Mas é uma dor indescritível. Na hora
você só pensa que quer acabar com a dor. Você tem a contração, e nesse momento
sai de órbita, mas é 30 segundos e passou.
A todo o momento
Patrícia faz questão de falar de como a dor é suportável. Afinal, como ela
mesma diz, não quer assustar outras mães que pensam em adotar o parto
humanizado. “A dor faz parte do processo e mesmo sabendo de tudo isso, cheguei
em um momento que achei que não fosse capaz. Mas eu consegui e tenho certeza
que todas as mulheres são capazes, não deixem tirar de vocês o direito de dar a
luz, não há coisa mais linda no mundo” - relatou no blog pessoal.
Após um TP de cerca de 16h,
iniciado às 23h do dia 02 de março, a pequena Laura veio ao mundo com pouco
mais de 2,8kg e provocando uma pequena laceração em Patrícia, que levou três
pontos para suturar o ferimento, enquanto a filha já saboreava a primeira
mamada.
Em seu blog Patrícia
relata: “Pari minha filha as 14:54, não chorou, veio direto pro meu colo, com o
olhão aberto, observando tudo, ficamos nos namorando por longos minutos, o
cordão era tão pequeno que ela mal chegava até meu peito. Eternizei aquele
momento na memória, eu, Laura e o pai, não se falava nada, mas se dizia muito
naquele silêncio.”